OS AMANTES SEM DINHEIRO
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
Eugénio de Andrade
sexta-feira, 25 de março de 2011
quinta-feira, 24 de março de 2011
Balada da neve - Augusto Gil
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria... .
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria... .
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil
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quarta-feira, 23 de março de 2011
Cristo de Sebastião da Gama
À minha cabeceira o cristo morre
de puro dó. Silenciosamente,
de cabeça caída para a frente
um fio de sangue, ainda vivo, escorre.
Puseram-mO ali como um remorso.
Não quiseram matá-lO de uma vez,
pra m'O porem ali como um remorso.
Tem os olhos abertos. tristes..., tristes...
E a suaboca quase que me fala,
como quem repreende meigamente.
Quando me vou deitar, já nem O olho.
Apago a minha vela bruscamente,
pra não ver os Seus olhos que me doem
como um remorso antigo.
Por que não ficou morto no Calvário,
apodrecendo aos Astros indiferentes?
por que veio morrer para o meu quarto,
Com esses olhos suaves que me acusam,
com esses lábios tristes que me pedem
que O não deixe morrer tão sem-razão?
Tem quase dois mil anos o meu quarto.
E em mais de mil das noites destes anos
eu apaguei a vela para não ver
a agonia do cristo, que me acusa.
Mas Ele rasga a escuridão da Noite.
Mas Ele rasga o sono em que me oculto
e vem, solto da cruz a que O prendi,
continuar, no fundo da minh'alma,
Seu estertor.
Seus olhos brilham mais na escuridão...
Pra de todo morrer,
como que espera apenas o segundo
de eu Lhe pedir perdão.
Sebastião da Gama
de puro dó. Silenciosamente,
de cabeça caída para a frente
um fio de sangue, ainda vivo, escorre.
Puseram-mO ali como um remorso.
Não quiseram matá-lO de uma vez,
pra m'O porem ali como um remorso.
Tem os olhos abertos. tristes..., tristes...
E a suaboca quase que me fala,
como quem repreende meigamente.
Quando me vou deitar, já nem O olho.
Apago a minha vela bruscamente,
pra não ver os Seus olhos que me doem
como um remorso antigo.
Por que não ficou morto no Calvário,
apodrecendo aos Astros indiferentes?
por que veio morrer para o meu quarto,
Com esses olhos suaves que me acusam,
com esses lábios tristes que me pedem
que O não deixe morrer tão sem-razão?
Tem quase dois mil anos o meu quarto.
E em mais de mil das noites destes anos
eu apaguei a vela para não ver
a agonia do cristo, que me acusa.
Mas Ele rasga a escuridão da Noite.
Mas Ele rasga o sono em que me oculto
e vem, solto da cruz a que O prendi,
continuar, no fundo da minh'alma,
Seu estertor.
Seus olhos brilham mais na escuridão...
Pra de todo morrer,
como que espera apenas o segundo
de eu Lhe pedir perdão.
Sebastião da Gama
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